German ARCE ROSS. Paris, 9 de junho de 2014.

Referência bibliográfica (toda reprodução parcial, ou citação, deve estar acompanhada da menção seguinte) : ARCE ROSS, German, «Por que o Brasil perdeu 7-1 da Alemanha?», Nouvelle psychopathologie et psychanalyse. PsychanalyseVideoBlog.com, Paris, 2014.

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Photo le 15-11-2015 à 19.50 - copie 6Mesmo se foi a Inglaterra que inventou o futebol, o Brasil representou até pouco tempo atrás o melhor futebol mundial de todos os tempos! Cinco vezes campeão do mundo, nenhum outro país teve um desempenho tão bem sucedido. O Brasil não tem sido apenas eficaz, mas tem especialmente desenvolvido até há pouco, com graça e com espontaneidade, quase sempre, um espetáculo cheio de estética com o prazer de driblar e de inventar jogadas criativas.

No entanto, este 8 de julho de 2014, quando o Brasil enfrentou a Alemanha nas semi-finais em Belo Horizonte, com a grande maioria de torcedores fazendo uma grande festa, perdeu 7-1, levando 5 gols na primeira metade no primeiro tempo. De fato, antes do minuto 26, o Brasil já perdia por 5-0! Por que? Como é que um time tão importante como o Brasil, que cresce e se torna psicologicamente forte, uma vez que se aproxima das semi-finais e especialmente da final, chegou a se render tão facilmente?

Sabemos que a Alemanha está jogando atualmente um excelente futebol com grande sucesso, mas isso não explica por que todos os gols foram tomados tão facilmente pelo Brasil. Independentemente dos méritos da Alemanha, que são reais e importantes, eu diria que foi o Brasil que perdeu sozinho. No fundo, eu acho que a Seleção do Brasil inconscientemente queria perder. Por que?

 

O Traumatismo de 1950

Para responder a esta questão, precisa observar primeiro que esta catástrofe nacional nos leva inevitávelmente a evocar o trauma, até há pouco intransponível, que o Brasil viveu quando sediou a Copa do Mundo em 1950. Na época, tendo chegado na final, o Brasil encontrou, no dia 16 de julho de 1950, a seleção de um pequeno país do sul da América Latina, o Uruguai. Obviamente, o Brasil era o favorito. Eles jogaram no Maracanã, o maior estádio do mundo, com uma capacidade para 200.000 espectadores nessa época (agora segundo o padrão FIFA a capacidade é só de 94.000 espectadores). Nas arquibancadas começou a festa, especialmente quando o Brasil passou a liderar o jogo por 1-0, o que era perfeitamente normal, dadas as circunstâncias e a diferença de importância entre os dois times. No entanto, por um capricho do destino, o Uruguai não só conseguiu empatar, mas também reverter o jogo um pouco antes do final.

Photo le 15-11-2015 à 19.50 - copie 4Além disso, precisamos também falar de uma sensação impressionante durante o jogo desta noite: a Alemanha estranhamente jogou com uma camisa que se assemelha perfeitamente à do Flamengo FC, ​​talvez o time mais popular do Brasil, ou seja uma camisa que combina grandes faixas horizontais, intercalando o vermelho e o preto. Foi também a camisa que usou durante um certo tempo o Ronaldinho, grande jogador brasileiro, adepto do jogo bonito, criativo e divertido. Estranhamente, porém, ele foi excluído da seleção atual por Felipão Scolari, assim como também o Robinho e o Kaká.

Photo le 15-11-2015 à 19.50 - copie 3É muito curioso que o grande trauma vivido pelo Brasil em 1950, ainda presente na memória viva do futebol brasileiro, entrou em ressonância no 8 de julho de 2014 com a camisa do Flamengo usada estranhamente pelos alemães! Isto leva-nos a supor a existência de um fator psicológico que é preciso, no entanto, esclarecer e aprofundar nas linhas seguintes.

Nós postulamos que a seleção brasileira queria ganhar, mas na realidade inconsciente desejava perder. Esse é um conflito bastante clássico que tem lugar em eventos intersubjetivos específicos, como esses sujeitos que não querem o que eles desejam. Mas qual seria o elemento auxiliar, tipo abridor de latas, que tem permitido que o desejo inconsciente de perder venha a se libertar apesar da motivação voluntária de vencer?

 

A Vértebra de Neymar, Metonímia do Desejo de Perder

Nós temos encontrado em algumas psicopatologias, onde os conflitos permanecem no estado do indecidível, que às vezes é preciso de um acidente, ou de um incidente, para que o processo imploda. Quando acontecem esses acidentes da vida, segundo por exemplo Catherine Malabou, « a estrada bifurca e uma nova personagem, sem precedentes, vem a coexistir com a velha personalidade e acaba tomando o lugar dela. Uma personagem irreconhecível, que não vem de nenhum passado e cujo destino não tem futuro » [1]. Sob estas condições, o sujeito pode tornar-se um estranho para si mesmo, pela incapacidade de escapar do que ele mesmo se tornou. Assim, um dos resultados possíveis pode ser uma fragmentação psicologicamente perigosa ao ponto de se tornar indiferente e anestesiado de sua própria experiência. Isso vale para os acidentes irreparáveis da vida, mas pode se observar um processo semelhante, felizmente passageiro, em caso de acidentes com efeitos menores, ou temporários, ou em caso de incidentes inesperados mas não graves.

Sabemos também que a campanha da seleção brasileira poderia ter terminado muito antes. Por isso, o argumento da alta qualidade da equipe alemã não é suficiente para explicar por que o Brasil perdeu dessa maneira. O Brasil bem poderia ter sido eliminado por um gol que o Chile quase marcou no último minuto do jogo ou por um pênalti que eles tivessem convertido depois do jogo. E, neste caso, a história teria sido muito menos dramática e menos espetacular.

Photo le 15-11-2015 à 19.50 - copie 2Segundo o meu ponto de vista, é o acidente ou o incidente com o Zuñiga (jogador da Colombia) que, com uma entrada brutal pelas costas, provocou a fratura de uma vértebra do Neymar, assim também comme a sanção contra Thiago Silva, que constituíram, não a principal causa, mas o elemento auxiliar, a causa secundária, o gatilho ou o fator de desencadeamento para que o desejo inconsciente de perder seja finalmente liberado no time. Infelizmente, todo o esquema de jogo proposto por Scolari se sustenta na espinha dorsal composta por Neymar e o eixo de defesa-contra-ataque de David Luiz e Thiago Silva. As ausências dramáticas e inesperadas de Neymar e de Thiago Silva fazem lembrar a ausência um pouco incompreensível de Ronaldinho, Robinho e Kaká. Além disso, estas ausências também criaram uma base muito clara para a impotência do Hulk e para a terrível inibição de Fred quem, durante todo o mundial, se arrastou detrás de sombras inexistentes como um fantasma frio e indiferente.

Sem coluna vertebral, a estrutura coletiva do jogo brasileiro ficou fraturado em onze diferentes fragmentos de motivações individuais. Só que mesmo as mais fortes motivações fragmentadas nada podem frente a um vergonhoso desejo coletivo de perder.

Por trás do fascínio obsceno dos 7 gols tomados, a vértebra de Neymar permanecerá por muito tempo, para o Brasil, como a metonímia irredutível do desejo de perder neste Mundial. A vértebra de Neymar se manifestou como o corpo reage protestando quando um sujeito comete excessos ou não respeita os fundamentos naturais e psicológicos de sua vida. A vértebra de Neymar disse que não concordava com o Ronaldo quando ele afirmou que « não se faz Copa do Mundo com hospitais, mas com estádios » [2]. Então, tomando o ponto de vista oposto dessas observações, a vértebra de Neymar fez todo o Brasil deixar o estádio para ir, às pressas, ao hospital mais próximo, onde os médicos poderiam cuidar desse golpe do destino nas costas. E a lição dessa história é que, para fazer uma Copa do Mundo, é preciso acima de tudo de hospitais. Assim como de educação, de segurança, de estabilidade econômica, da liberdade de expressão e de justiça social, sem os obstáculos da corrupção, de ideologias políticas e do populismo.

 

Populismo e corrupção dos governos de extrema esquerda

Por outro lado, não devemos esquecer de indicar que, num outro campo, o político, temos tido a oportunidade de observar as condições que criaram o desafio brasileiro contra a organização da Copa do Mundo no país. As críticas não foram dirigidas apenas contra Joseph Blatter e contra da FIFA. Longe disso, o Blatter não foi realmente importunado de maneira pessoal, ao contrário da Dilma Rousseff, quem foi vaiada e mesmo insultada no jogo de abertura como no jogo do 8 de julho.

Por outras razões e não só pela Copa do Mundo, durante quase todo o ano de 2013, o povo brasileiro finalmente acordou contra o que parece ser uma ditadura socialista-comunista pontuada por populismo, demagogia e alta corrupção, segundo o estilo da política de Hugo Chávez. Esse sistema insalubre e quase deliquencial vem dos dois governos de Lula, durante os quais existiram os maiores escândalos de corrupção de toda a história do Brasil. E este sistema de corrupção continuou existindo durante o início da presidência de Dilma Rousseff, que já tinha sido ministra no governo de Lula, em 2003.

Photo le 15-11-2015 à 19.50 - copie 7É uma terrível decepção de ver que o Partido dos Trabalhadores (PT), o novo partido que a gente ajudou a fundar quando eu participava de um grupo trotskista (Liberdade e Luta) sendo estudante de psicologia na Universidade de São Paulo, tornou-se uma máquina para manter, a todo custo, o poder. Nós lutávamos na época pela liberdade de expressão, pelas liberdades individuais, contra o regime militar, contra a ditadura. Eu fui várias vezes com amigos à casa do Lula, em São Bernardo do Campo, para participar de reuniões intermináveis ​​com muitas pessoas dentro e fora da sua casa. Lembro-me de uma noite em uma manifestação política, onde eu me encontrei encima de um caminhão, no Largo de Pinheiros, em São Paulo, ao lado de Lula, fazendo fotos dele enquanto ele falava à multidão. Eu tenho ainda essas fotos todas vermelhas de uma barba operária cantando a esperança de uma sociedade nova, mas o fluxo dessas palavras tornou-se, com o exercício do poder, um verdadeiro rio poluído. Lembro-me dessas noites passadas na bela casa da deputada Martha Suplicy, quando seu filho organizava festas muito piradas aonde a gente se divertia também como loucos. Ou então dos cursos muito concorridos da Marilena Chaui na Faculdade de Filosofia. Mas isso foi muito antes de seus discursos de discriminação contra a classe média, bem antes do extremização liberticida de suas reflexões. Tudo isso é uma grande decepção sobre a capacidade da política em regenerar sozinha a sociedade. O discurso político ou as ações críticas não são suficientes. Também precisamos de uma ética. E da vida que passa. Isto é, da experiência dos mais velhos e não só da vitalidade dos jovens.

Photo le 15-11-2015 à 19.50 - copieO projeto do PT, do Lula, da Dilma e de seus camaradas é a instalação de um poder bolivariano no Brasil, ou seja, um sistema de governo autoritário sob uma aparência democrática, e que, levando o pais à uma pobreza ainda maior, estariam ligados a outros poderes extremamente populistas e altamente corruptos da região, como é o caso do Maduro na Venezuela e da Cristina Kirchner na Argentina. Para realizar isso, nos últimos 15 anos, o Brasil tem financiado esta política de extrema esquerda com o produto das commodities, ou seja, com o produto da exportação de matérias-primas (ou produtos de base) em vez de desenvolver a indústria, a educação e a saúde. Assim, « o Brasil se tornou, nas últimas décadas, num fantástico exportador de mercadorias agropecuárias, florestais e minerais. E poderá se tornar num grande exportador do petróleo, na dependência do sucesso do pré-sal. Com efeito, as nossas exportações alcançaram de 8,54% do PIB em 2000 a 10,34%, em 2011, enquanto as importações aumentaram de 7,94% do PIB para 12,16%, no mesmo período » [3].

Isto também é visível nos resultados da grande desindustrialização que vive o Brasil hoje em dia: « há 25 anos, a indústria de transformação brasileira correspondia a 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje, ela corresponde a menos de 15%, reduzindo, sensivelmente, a nossa capacidade produtiva. Daí, o tema da “desindustrialização” tornar-se um dos principais assuntos dos economistas e das acentuadas reflexões governamentais » [3].

O PT, o Lula e a Dilma têm instrumentalizado o programa social iniciado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo a Bolsa Família, para manipular a opinião pública e comprar indiretamente os votos dos pobres fazendo eles acreditar no acesso sem esforço ao progresso. O que eles criaram, pelo contrário, são amplos setores da sociedade que preferem sobreviver parcialmente assistidos e parcialmente ativos, porém numa economia praticamente pela metade ilegal. O tráfico de drogas, a delinquência, a violência e a criminalidade, como na Venezuela, explodiram e dominam a vida quotidiana.

O lado doloroso do caso do 8 de julho de 2014 se cristaliza estranhamente no resultado. Curiosamente, a diferença final de 7 gols menos 1 é igual a 6, que é o número de estrelas cobiçado pelo Brasil, o Hexa! Se no ano 2013 a opinião pública finalmente despertou sobre os negócios de corrupcão e populismo do governo, com a catástrofe da Seleção o governo não pode mais instrumentalizar uma nova estrela de Campeões do mundo para adormecer a consciência política do povo.

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Hontologia Ética da Falta-a-ser

Desse jeito, eu acho que o fracasso que aconteceu com a Seleção se explica por um fator puramente psicológico e particularmente ético. O Brasil encontrou ali algo assim como um tipo de hontologia ética [4] sobre a sua falta-a-ser atual [5]. Esse time, que representa o Brasil, tinha vergonha de se tornar campeão nestas condições. Ele preferiu então a perplexidade de uma vergonha mais simples, porém, paradoxalmente, mais extrema, mais dolorosa. É como uma “escolha”  não voluntária, não controlada, entre duas penas ou entre duas vergonhas. Como o caso do homem que pára no limiar da impotência ou da ejaculação precoce em vez de perder o amor da mulher. Só que no final ele não pode preservar tudo. Alguma coisa terá que ser descartada para que a solução acabe por passar. Este ato de hontologia, ato dramático, que no entanto faz crescer o homem que bebe dessa taça, poderia ser erroneamente considerado como um suicídio psicológico. Mas eu acho que, inconscientemente e não intencionalmente, os jogadores brasileiros não quiseram que uma eventual vitória sirva como um novo ópio para o povo. Se é assim, e só nesse sentido, esse episódio difícil seria então, no fundo, muito positivo.

A vergonha não é sempre o canal de expressão de masoquismo moral. O caso particular da Seleção Brasileira de 2014 mostra que a vergonha é um afeto ético. Na verdade, a vergonha é uma das saídas possíveis, saídas pelo afeto, para uma situação conflitiva dolorosa demais e que exige satisfação, sem mais delongas. É, portanto, uma saída lógica, mas não racional nem voluntária, às vezes à beira do sacrifício. Se trata de uma aporia que o sujeito recusa com toda a sua força de convicção. Uma aporia do desejo contrariado que ficou por muito tempo à espera de um desfecho capital.

12091224_912213028832758_1212186388175989670_o - copieFaltando temporáriamente de ferramentas razoáveis, o sujeito se vira então para a ética da falta-a-ser. É neste cruzamento, entre a aporia do desejo contrariado e a potência da falta-a-ser atual, que ele acha o afeto da vergonha. Essa vergonha que ele realizará no estabelecimento inconsciente de um evento intersubjetivo que deixa traços indeléveis, sobre os quais aliás ele se reconstruirá. Em outras palavras, a vergonha não é apenas uma reação afetiva que paralisa. A vergonha é também, e sobretudo, sob certas condições, o que produz idéias, discursos, ações e, em particular, eventos intersubjetivos inconscientes. Porque há casos em que a ética impõe ao sujeito uma saída pela vergonha.

O falso suicídio psicológico e coletivo no futebol seria uma das soluções contra o atual governo brasileiro. Assim, uma coisa negativa pode levar o Brasil a uma outra muito positiva. Podemos, então, ler de uma outra maneira a história do futebol no Brasil e dizer que, se o Brasil se tornou o melhor do mundo desde os anos 50 até hoje, é porque o Brasil ficou traumatizado quando perdeu a final da Copa do Mundo, no Rio, contra o Uruguai em 1950. Porque, sob certas condições, o fracasso pode realmente ser a fonte do sucesso.

Eu tenho certeza que o Brasil, país fantástico, tão jovem e de grande vitalidade, com sabores cintilantes e cores doces, com jeitinho inegável e humanidade em abundância, saberá com alegria criar uma solução para esse evento difícil e tirar dele a energia necessária para um novo progresso.

Notas

1. MALABOU, Catherine, Ontologie de l’accident. Essai sur la plasticité destructrice. Léo Scheer, Paris, 2009, p. 9.

2. Para Ronaldo, « não se faz Copa do Mundo com hospitais, mas sim com estádios » : http://globotv.globo.com/globocom/globoesportecom/v/ronaldo-nao-se-faz-copa-do-mundo-com-hospitais-mas-sim-com-estadios/3173401/

3. Cf. : http://www.defesanet.com.br/pensamento/noticia/10472/Desindustrializacao-no-Brasil–causas-e-consequencias

4. Hontologie: significante lacaniano que mistura o termo honte (vergonha) com onto (ser). Então, a hontologia seria algo assim como o estudo da vergonha que o ser sente sendo o que é, ou melhor, a vergonha que ele pode sentir sendo o que falta-a-ser.

5. Falta-a-ser: não o que o ser é ou não é, mas o que sempre falta nele para ser. O ser pode facilmente encontrar uma falta a ser na sua relação com o amor, com a sexualidade, com a morte…

 

German ARCE ROSS. Paris, 2014.

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